Incertezas geopolíticas e o impacto na tecnologia

Reduzir dependências e aumentar a resiliência das cadeias de suprimentos. Fomentar inovações que fortaleçam a capacidade de resposta a crises. Promover normas que facilitem o comércio internacional sem sacrificar a soberania tecnológica. Essas são algumas ações que empresas no mundo todo podem promover para garantirem sua sobrevivência e capacidade de adaptação. 

Mas que mundo é esse? Falamos muito em um cenário altamente competitivo, mas há um outro aspecto tão importante quanto: um mundo que assiste a uma crescente de tensões geopolíticas, marcadas por guerras, disputas comerciais e restrições regulatórias. Isso tem redesenhado o cenário global nos últimos anos, impactando profundamente setores econômicos e tecnológicos.

De acordo com o artigo Navigating the new geopolitical uncertainly, da McKinsey, a  geopolítica é impulsionada pelas prioridades estratégicas concorrentes das nações, utilizando métodos e medidas além da segurança, incluindo políticas industriais e comerciais. Por sua vez, as empresas estão construindo músculos geopolíticos entendendo cenários, quantificando seu impacto nas economias e prevendo oportunidades e riscos. Isso inclui diversificar mercados, como considerar a entrada antecipada em mercados de alto crescimento, como a Índia, e entender corredores comerciais, como o crescente corredor Sudeste Asiático para os EUA.

E onde entra tecnologia? Em tudo! Ela, quando bem direcionada, pode ser a chave para superar os desafios geopolíticos e construir um futuro mais estável e próspero para todos. Empresas que buscam prosperar em meio à incerteza têm investido em soluções tecnológicas para mitigar riscos, otimizar operações e se adaptar rapidamente às mudanças. A capacidade de inovar e integrar novas tecnologias tornou-se um diferencial competitivo essencial, destacando o papel central da tecnologia não apenas como motor do progresso, mas também como aliado estratégico em um mundo geopoliticamente instável.

O impacto das incertezas geopolíticas no setor de tecnologia

O setor de tecnologia, intrinsecamente globalizado, está particularmente vulnerável às turbulências geopolíticas. Restrições comerciais, como sanções e embargos, limitam o acesso a hardware e software essenciais, enquanto a escassez de semicondutores e outros componentes críticos interrompe cadeias de suprimentos e eleva custos. A imposição de sanções e embargos tem dificultado o acesso a componentes essenciais, como chips de alta performance, restringindo a produção de dispositivos eletrônicos e infraestruturas de TI. 

Além disso, a crescente fragmentação regulatória, com a imposição de normas divergentes sobre proteção de dados e o banimento de aplicativos e plataformas, cria um labirinto legal para empresas que operam em múltiplas jurisdições. A rivalidade entre EUA e China, por exemplo, levou à criação de “bolhas tecnológicas”, com cada bloco desenvolvendo padrões próprios para 5G, inteligência artificial (IA) e cibersegurança, fragmentando ainda mais o mercado global.

Abaixo estão alguns cenários futuros possíveis cenários para a tecnologia na geopolítica:

Competição entre grandes potências

À medida que grandes potências como os EUA, China e Rússia competem pela supremacia tecnológica, poderemos ver um aumento nos investimentos em tecnologias emergentes, como IA, computação quântica e cibersegurança. Essa competição pode levar a avanços rápidos, mas também a tensões e possíveis conflitos;

Ordem internacional relutante

Nesse cenário, a governança global permanece complexa, mas funcional. Instituições multilaterais como a ONU e a OMS continuam a desempenhar um papel na gestão de crises e conflitos. A cooperação e a regulamentação tecnológica são mantidas, embora com desafios;

Ascensão da China 

A influência tecnológica e econômica da China cresce significativamente, levando a uma mudança na dinâmica de poder global. Isso pode resultar em novas alianças e parcerias, bem como em um aumento do escrutínio e da regulamentação das empresas de tecnologia chinesas;

Clima de medo 

A instabilidade geopolítica e as crises ambientais fazem com que as nações priorizem a segurança e a autossuficiência. Esse cenário pode ver um aumento nos investimentos em tecnologias que aumentam a resiliência, como energia renovável, modelagem climática e resposta a desastres.

Transformação tecnológica 

Avanços tecnológicos rápidos remodelam o cenário geopolítico. Inovações em IA, blockchain e outras tecnologias criam novas oportunidades e desafios, exigindo que as nações se adaptem rapidamente para se manterem competitivas. Veremos mais adiante.

A dependência global da cadeia de suprimentos tecnológica

A dependência global da cadeia de suprimentos tecnológica, concentrada em países estratégicos como China e Taiwan (maior produtor global de chips), amplifica os riscos geopolíticos. Conhecidos hubs de produção de semicondutores e outros insumos críticos, esses países tornaram-se pontos vitais para a indústria global de tecnologia. No entanto, qualquer instabilidade nessas regiões pode gerar gargalos e disrupções em cascata, afetando a produção e o fornecimento de bens e serviços em todo o mundo.

Essa dependência global de países estratégicos torna o setor de tecnologia especialmente vulnerável a incertezas, por exemplo:

  • gargalos na cadeia de suprimentos: instabilidades nesses países criam gargalos que afetam toda a indústria tecnológica;
  • diversificação de fornecedores: a necessidade de diversificar fornecedores e investir em produção regionalizada se torna cada vez mais evidente.

Assim, é fácil compreender que a diversificação de fornecedores e o investimento em produção regionalizada tornam-se imperativos para garantir a resiliência do setor. A capacidade de mitigar riscos geopolíticos e garantir o fluxo contínuo de insumos críticos será fundamental para a sustentabilidade e o crescimento da indústria tecnológica global.

Tecnologias para lidar com riscos globais

Diante das incertezas geopolíticas, diversas tecnologias emergem como aliadas estratégicas para empresas e governos. A inteligência artificial (IA) e o Big Data, por exemplo, podem analisar grandes volumes de dados e identificar padrões, prevendo instabilidades e auxiliando na tomada de decisões rápidas. Modelos preditivos baseados nessas tecnologias ajudam empresas a antecipar disrupções em cadeias de suprimentos, mitigando riscos e garantindo maior resiliência.

O blockchain também se destaca como uma ferramenta essencial, aumentando a transparência e a segurança na cadeia de suprimentos global. Essa tecnologia permite rastrear a origem e o destino de produtos e componentes, reduzindo fraudes e garantindo a integridade de transações internacionais, especialmente em meio a sanções e restrições comerciais.

Além disso, soluções de simulação e modelagem, como os “gêmeos digitais”, permitem testar cenários hipotéticos e avaliar o impacto de diferentes estratégias de mitigação. 

Ao adotar essas ferramentas, empresas e governos podem fortalecer sua capacidade de resposta a crises, garantindo maior estabilidade e competitividade em um cenário global cada vez mais imprevisível.

Cibersegurança em um cenário geopolítico instável

A intensificação dos conflitos entre nações aumenta exponencialmente os riscos de ataques cibernéticos direcionados. Empresas que operam em múltiplas jurisdições devem fortalecer suas estratégias de ciberdefesa para proteger dados e operações. Medidas como criptografia de dados, autenticação de múltiplos fatores e monitoramento constante de redes e sistemas são essenciais para mitigar riscos. 

Além disso, a adoção de tecnologias avançadas, como sistemas de detecção baseados em inteligência artificial (IA) e protocolos de “confiança zero”, tem se mostrado crucial para garantir a segurança em um ambiente cada vez mais hostil.

A colaboração entre empresas e governos também é fundamental para enfrentar esses desafios. O compartilhamento de informações sobre ameaças e o desenvolvimento de estratégias de resposta coordenadas podem fortalecer a resiliência cibernética global. Em um cenário geopolítico instável, onde os ataques cibernéticos são usados como ferramentas de guerra e espionagem, a capacidade de proteger infraestruturas críticas e dados sensíveis torna-se um pilar estratégico para a segurança nacional e a continuidade dos negócios.

Algumas medidas para fortalecer a cibersegurança são:

  • estratégias robustas de ciberdefesa: proteção de dados e operações em múltiplas jurisdições;
  • tecnologias avançadas: uso de IA, protocolos de “confiança zero” e sistemas de detecção em tempo real;
  • colaboração público-privada: compartilhamento de informações e desenvolvimento de respostas coordenadas a ameaças.

A cibersegurança não é apenas uma questão técnica, mas uma prioridade estratégica para garantir a estabilidade e a segurança em um mundo cada vez mais interconectado e conflituoso.

A Transição para a soberania tecnológica

Em resposta às incertezas geopolíticas, governos e empresas em todo o mundo estão investindo em tecnologias locais para reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros. Iniciativas como a Lei de Chips dos EUA e o programa Made in China 2025 visam impulsionar a produção nacional de semicondutores, software e infraestrutura crítica. 

Essa busca pela soberania tecnológica, embora compreensível, pode levar a uma maior fragmentação do setor e a um aumento do protecionismo.

Alguns exemplos de ações para reduzir dependências, de governos e corporações, e que também aceleram iniciativas de soberania tecnológica são:

  • A União Europeia lançou o Chips Act, com €43 bilhões para ampliar a produção local de semicondutores;
  • A Índia aprovou incentivos fiscais para fábricas de eletrônicos, atraindo gigantes como Apple e Samsung;
  • Empresas como a TSMC e Intel expandem fábricas para EUA e Japão, diversificando geograficamente a produção.

O papel da diplomacia tecnológica

Em um mundo cada vez mais interconectado, a diplomacia tecnológica desempenha um papel crucial na estabilização do setor. Parcerias internacionais podem promover a cooperação em pesquisa e desenvolvimento, facilitar o intercâmbio de melhores práticas e estabelecer padrões globais para tecnologias emergentes. A criação de alianças estratégicas entre países com visões e interesses convergentes é fundamental para mitigar os riscos geopolíticos e garantir a segurança e a prosperidade de todos.

A criação de padrões globais exige cooperação multilateral. Iniciativas dessa natureza destacam a importância da diplomacia tecnológica para enfrentar desafios globais. Ao fomentar a colaboração entre nações e setores, é possível criar um ambiente mais estável e previsível para a inovação, garantindo que os benefícios da tecnologia sejam compartilhados de forma equitativa e segura.

As incertezas geopolíticas representam desafios significativos para o setor de tecnologia, mas também oferecem oportunidades para inovação e crescimento. Empresas que investem em tecnologias resilientes, diversificação de fornecedores e estratégias bem planejadas estarão mais bem preparadas para navegar em um mundo em constante mudança. A adaptação e a inovação contínuas são fundamentais para enfrentar cenários adversos e aproveitar oportunidades em mercados emergentes.

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