Liderar também é saber parar: o papel do “vazio criativo” na tomada de decisão

Por muito tempo, o modelo dominante de liderança , especialmente no universo tech, esteve ancorado na hiperprodutividade, na disponibilidade constante e na ilusão de que estar ocupado é sinônimo de gerar valor. A cultura da multitarefa, da resposta imediata e do fazer contínuo criou líderes sobrecarregados, operando mais no modo reativo (piloto automático) do que estratégico.

Diante desse cenário, uma nova competência começa a se consolidar entre líderes de alta performance: o ócio estratégico, uma prática que resgata e atualiza o conceito de ócio criativo, do sociólogo Domenico De Masi. Se De Masi defendia que o verdadeiro luxo do século XXI está no equilíbrio entre trabalho, aprendizado e lazer como fonte de criatividade e produtividade sustentável, o ócio estratégico leva essa lógica para a gestão: trata-se da escolha consciente de criar pausas, proteger espaço mental e desacelerar para pensar melhor.

É nesse contexto que surge também o conceito de vazio criativo. Na prática, trata-se de uma abordagem de se desconectar do excesso de estímulos e do tal “piloto automático”, o líder acessa um estado de reflexão profunda, clareza mental e abertura para insights, inovação e decisões de alta qualidade.

Se no passado parar era visto como um estado de fraqueza, hoje, é uma ferramenta estratégica de liderança. Neste artigo, exploramos como e por quê as lideranças as estão incorporando ferramentas de “pausa” no trabalho como alavancas de performance, inovação e vantagem competitiva. Confira! 

Vazio criativo e neurociência da pausa: qual é a relevância dessas ferramentas? 

O custo de estar sempre ativo é alto (e comprovado). Uma pesquisa divulgada na Harvard Business Review revela que 59% dos trabalhadores relatam sentir burnout. E quais são os efeitos colaterais desse “apagão mental”? De acordo com o levantamento, falta de clareza, queda na qualidade das decisões, mais erros, menos inovação e uma espiral crescente de exaustão e improdutividade.

Por muitos anos, a solução foi tentar fazer mais: mais horas, mais foco, mais esforço. Mas a neurociência, a psicologia e os estudos sobre produtividade chegaram a uma conclusão: não é trabalhando mais que trabalhamos melhor, mas sim sabendo pausar.

A prática do que hoje se chama de “vazio criativo” surge como um recurso estratégico e validado. Ele descreve aquele estado em que, ao interromper intencionalmente o fluxo constante de estímulos, nossa mente ativa redes cerebrais associadas à reflexão, à conexão de ideias e à criatividade. 

E o que acontece no cérebro quando pausamos, a chamada neurociência da pausa?

  • Consolidação de informações: o cérebro transfere aprendizados do hipocampo (memória de curto prazo) para o neocórtex (memória de longo prazo);
  • Geração de insights: é nesse estado de aparente “não fazer nada” que o cérebro conecta informações dispersas, favorecendo o surgimento de soluções criativas e inovações.
  • Redução de estresse e sobrecarga: as pausas diminuem os níveis de cortisol, melhoram o humor e restauram a clareza cognitiva.

Esses fenômenos dialogam diretamente com o conceito de “ócio criativo”, de Domenico De Masi, que já defendia que o verdadeiro motor da criatividade está no equilíbrio entre trabalho, lazer e reflexão. Mais recentemente, conceitos como o “niksen” — a arte holandesa de não fazer nada — e a prática do essencialismo, proposta por Greg McKeown, reforçam a mesma lógica: o espaço vazio não é perda de tempo; é o terreno fértil da inovação, da clareza e da performance sustentável.

Vejamos a seguir como a gestão do silêncio é uma ferramenta de gestão que se comunica com os conceitos de “pausa no trabalho”: 

Gestão silenciosa, vazio criativo e Scrum: a nova liderança

Em dissonância das antigas práticas de comando e controle — que sufocam a criatividade, geram sobrecarga e alimentam fenômenos como a “demissão silenciosa” (quiet quitting) — surge uma nova abordagem: a gestão silenciosa. Um modelo que substitui a vigilância excessiva por clareza, alinhamento e autonomia.

Longe de significar omissão, liderar em silêncio é, na prática, uma forma mais sofisticada de gestão. Ela se baseia na criação de espaço para que o time pense, tome decisões e atue com autonomia — sem a dependência constante de microcomando.

Curiosamente, esse conceito conversa diretamente com práticas ágeis como o Scrum, que também se estrutura sobre três pilares fundamentais: transparência, inspeção e adaptação. O papel do líder no Scrum não é supervisionar cada tarefa, mas atuar como facilitador, removendo impedimentos, alinhando prioridades e garantindo que o time tenha clareza sobre o que realmente importa.

Na prática, gestão silenciosa, vazio criativo e Scrum compartilham os mesmos princípios:

  • Clareza extrema sobre prioridades, prazos e objetivos. O backlog priorizado e os objetivos das sprints no Scrum refletem essa necessidade;
  • Espaço para autonomia. O time é quem decide, em cada sprint, como transformar itens do backlog em entregas de valor, sem microgestão;
  • Liderança a serviço do time. O líder não monitora tarefas, mas facilita, orienta e destrava o caminho para o progresso.

Dados de um relatório sobre tendência no mercado de trabalho confirmam essa lógica: enquanto gestores insistem em check-ins constantes, apenas 19% dos colaboradores acreditam que isso melhora sua produtividade. O que realmente impacta é ter prioridades claras (42%) e prazos bem definidos (30%). Sem isso, surgem sobrecarga, desorientação e perda de foco — não por falta de trabalho, mas por falta de direção.

Cases de gestão silenciosa

Três lideranças exemplares mostram como a gestão silenciosa, aliada ao vazio criativo, impulsiona inovação, foco e resolução de problemas em alto nível.

Angela Merkel, chanceler da Alemanha entre (2005-2021)

Na Europa, Angela Merkel — ou “Angie” — como os alemães a chamavam carinhosamente, chanceler da Alemanha por 16 anos, foi uma das líderes mais influentes do mundo, conduzindo o país durante crises globais sem recorrer a imposições ou protagonismo excessivo. Sua liderança discreta, baseada em escuta, pragmatismo e construção de consensos, é um reflexo claro da gestão silenciosa. Ao dedicar horas para ouvir e refletir antes de decidir, criava um espaço de silêncio produtivo, que permitia gerar soluções mais robustas e estáveis em momentos críticos.

Satya Nadella, atual CEO da Microsoft

Nos Estados Unidos, Satya Nadella foi responsável por uma das maiores transformações corporativas da era moderna, à frente da Microsoft. Ao assumir em 2014, substituiu o modelo competitivo e hierárquico por uma cultura de empatia, aprendizado contínuo e autonomia. Nadella aplicou os princípios da gestão silenciosa ao eliminar o ruído do controle excessivo, criando um ambiente seguro para que times experimentassem, errassem e inovassem. O vazio criativo, nesse contexto, se traduziu em foco, colaboração e uma reinvenção bem-sucedida da companhia.

Guilherme Benchimol, fundador da XP 

No Brasil, Guilherme Benchimol, fundador da XP, é um dos grandes protagonistas da transformação do mercado financeiro nacional. Ao perceber que seu papel não era centralizar decisões, mas criar cultura, sistemas e visão, optou por “sair do centro” para que sua empresa escalasse com autonomia e alta performance. Sua liderança silenciosa construiu um ambiente onde os times são donos dos resultados e encontram no espaço livre de microgestão o terreno ideal para inovar, crescer e resolver desafios com agilidade.

Como implementar pausas estratégicas na rotina de liderança? 

Trabalhar de maneira mais inteligente não significa trabalhar demais, muitas tarefas podem ser eliminadas se houver um planejamento antes da ação. Como num jogo de xadrez, é importante dar alguns passos atrás para conquistar dois ou três nas próximas jogadas. Confira algumas táticas para ganhar esse jogo! 

Utilize a Técnica Pomodoro para manter o foco e o equilíbrio mental

Trabalhar em blocos de 25 minutos focados, seguidos por pausas curtas de 5 minutos, ajuda a evitar a fadiga mental e aumenta a concentração. Após quatro ciclos, uma pausa maior de 30 minutos permite uma recuperação profunda da energia. Esse ritmo estruturado impede o esgotamento e promove uma produtividade sustentável.

Aprenda a dizer “não” com consciência e estratégia

Dizer “sim” para tudo pode parecer uma virtude, mas é um caminho perigoso para o desgaste. É preciso aprender a recusar compromissos que não alinham com suas prioridades ou que você não terá tempo suficiente para executar com qualidade. Essa escolha consciente protege sua energia e fortalece sua liderança, mostrando que você valoriza o foco e a entrega de resultados relevantes, e não a quantidade de tarefas feitas.

Redefina a duração das reuniões para maior eficiência

A maioria das reuniões tradicionalmente dura 30 ou 60 minutos, mas isso frequentemente resulta em perda de foco e tempo desperdiçado. Reduzir o tempo para reuniões curtas de 15 minutos (dailies do Scrum) incentiva maior objetividade e produtividade. Além disso, o intervalo entre reuniões pode ser usado para atividades breves que ajudam a recarregar, como alongamento, café ou um contato social leve, melhorando o humor e reduzindo o estresse.

Comunique e imponha limites claros para o término das reuniões

Definir antecipadamente que uma reunião terminará pontualmente é uma maneira eficaz de gerir o tempo, demonstrando respeito pelo seu próprio limite e pelo dos outros. Essa prática estimula foco e objetividade entre os participantes, evitando que reuniões se arrastem e gerem atrasos em compromissos subsequentes.

Programe intervalos dedicados e respeite a autonomia do time

Ofereça intervalos flexíveis e autonomia para que cada pessoa escolha quando e por quanto tempo se desconecta do trabalho. Iniciativas criativas como atividades físicas e sociais no ambiente de trabalho são formas de institucionalizar essa cultura de pausas conscientes, que valorizam o equilíbrio e a saúde mental.

Incorporar pausas estratégicas na rotina de liderança não é um luxo, mas uma necessidade para garantir performance consistente e sustentável. Ao gerenciar seu tempo (e dos outros) com foco, prioridades claras, autonomia e respeito pelos limites naturais do corpo e da mente, você cria um ambiente propício à inovação, ao bem-estar e a resultados de alta qualidade. Quer conhecer esses e outros comportamentos essenciais para a liderança tech? Convidamos você à leitura do nosso artigo Comportamento de liderança: mentalidades cruciais para o sucesso na era tech.