
O pão que nós alimenta dia a dia serve bem para ilustrar como os dados também ajudam a saciar a fome de várias áreas de uma empresa em busca de informações. Quer ver só?
Imagine um pão artesanal recém-saído do forno, com aroma irresistível, sendo dividido entre pessoas com diferentes apetites, mas nem sempre em porções justas ou com facilidade. Agora, pense nos dados da sua empresa como esse pão: preparados com cuidado, esperados por todos, mas muitas vezes distribuídos de forma desigual. Enquanto áreas como logística, marketing ou RH buscam extrair valor real para suas decisões, há quem acesse sem propósito claro e quem sequer consiga chegar até eles, barrado por silos e obstáculos.
A analogia do “partir o pão” captura um dilema em muitas empresas, e envolve a área de TI. Esta é uma espécie de guardiã da cozinha, que garante que o pão (os dados) com os melhores ingredientes, produzido segundo as normas sanitárias (compliance) e que seja protegido contra qualquer ameaça (segurança). Eles são os responsáveis por manter a integridade do banquete.
Do outro lado, temos as áreas de negócio, famintas por agilidade. Esperam que TI sirva cada fatia sem perder o timing de uma decisão crucial. A fome por dados é imediata e a burocracia é o maior inimigo da inovação. Mas, sua empresa sabe como repartir esse pão? Vejamos a seguir a “receita” dessa divisão:
Os dois lados da moeda
Para encontrar o equilíbrio, primeiramente é preciso entender a legitimidade e a profundidade das preocupações de cada lado – afinal, todos têm fome. Não se trata de criar uma disputa entre a área que diz “não” e a que diz estar com pressa. O ideal é olhar para as essas duas perspectivas vitais que, quando não alinhadas, geram um curto-circuito organizacional.
A visão de TI
A preocupação dos chefs de TI não é por acaso e não significa um mero exercício de poder. Ela se deve a um cenário regulatório e de segurança cada vez mais complexo e punitivo. Basta lembrar da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, do General Data Protection Regulation (GDPR) na Europa e, mais recentemente, do EU AI Act, de 2024. Elas criaram um campo minado de responsabilidades legais. Um vazamento de dados sequer ou o uso inadequado de informações pode tirar o apetite de muitos líderes de empresas por meio de multas milionárias, danos irreparáveis à reputação da marca e perda de confiança do cliente.
A governança, dessa forma, protege a organização, estabelecendo quem pode acessar o quê, para qual finalidade, por quanto tempo e sob quais condições. Ela garante a linhagem e a qualidade dos dados, assegurando que uma decisão de negócio não seja baseada em informações incorretas ou desatualizadas. Além de saboroso, o pão deve ser bem feito.
E o que acontece quando falta uma estratégia clara de colaboração nesse processo? Essa proteção se transforma em um gargalo. A área de TI, sobrecarregada com pedidos de todos os lados e com o receio de falhar em seu dever de guardiã, tende a centralizar e controlar demais o acesso. O resultado? Um atraso que impacta diretamente a competitividade. Para se ter uma ideia, um estudo de 2024 do Gartner revela que 75% das empresas relatam atrasos significativos em projetos de analytics e IA por não possuírem uma governança de dados clara e ágil. Isso é o que dá quando o medo de partir o pão da maneira errada faz com que muitos o deixem endurecer na mesa.
A necessidade das operações
Enquanto TI protege os dados, as áreas de negócio estão em campo, precisando tomar decisões em tempo real. Uma equipe de marketing que identifica uma microtendência nas redes sociais não pode esperar três semanas por um relatório de segmentação de clientes para lançar uma campanha. O time de logística que percebe um padrão de atrasos em uma determinada rota precisa de acesso imediato aos dados de geolocalização e trânsito para recalcular a malha de distribuição.
Cada dia de espera é um risco perdido, um concorrente ganhando espaço, um cliente insatisfeito migrando para outra solução. Essa frustração levou ao surgimento de um conceito de “democracia de dados”. Não se trata, como aponta a Harvard Business Review, de anarquia, mas de empoderamento. Ou seja, capacitar os colaboradores que estão na linha de frente, que entendem o contexto do negócio, com as ferramentas e o acesso para que eles mesmos possam explorar os dados e extrair insights.
O Spotify é um bom exemplo. A empresa se organiza em squads que têm autonomia para acessar e analisar os dados relevantes à sua missão, permitindo que testem hipóteses, iterem produtos e respondam às necessidades dos usuários com uma velocidade impressionante, sem depender de um longo processo de solicitação à TI central. Em outras palavras, a empresa aprendeu a confiar em seus times para partir o pão de forma responsável.
E como conciliar esses dois mundos? O banquete colaborativo
A solução não está em baixar a guarda da governança nem em deixar as operações passarem fome, mas sim em construir pontes inteligentes, barreiras bem definidas e “cozinhas auxiliares seguras”. A ideia é evoluir do controle centralizado para a governança distribuída e facilitadora. E, para isso, já existem arquiteturas, ferramentas e modelos. Vejamos:
Data Mesh: descentralização controlada
Criado por Zhamak Dehghani em 2021, o conceito de Data Mesh (malha de dados) talvez seja a mudança de paradigma mais importante para resolver esse conflito. Em vez de um grande e monolítico “lago de dados” (data lake) gerenciado centralmente pela TI, esse modelo propõe uma abordagem descentralizada e orientada a domínios de negócio.
Para entender como ele funciona: cada área da empresa se torna “dona” dos dados que gera e consome – até porque cada uma tem o contexto do negócio. Elas ficam responsáveis por tratar seus dados como um produto: eles devem garantir sua aqualidade, documentá-los, torná-los facilmente detectáveis e seguros para o consumo por outras áreas. TI, por sua vez, passa de controladora para facilitadora, provendo uma plataforma de autoatendimento (self-service) que permite aos domínios gerenciar seus “produtos de dados” com segurança e padronização.
No JPMorgan Chase, um dos maiores bancos do mundo e onde a segurança é levada ao extremo, abordagem de Data Mesh foi adotada para democratizar o acesso aos seus vastos repositórios de dados. O resultado, segundo relatos da própria corporação, foi uma redução de até 40% no tempo necessário para que analistas e cientistas de dados obtivessem e preparassem os dados para seus projetos, acelerando brutalmente a inovação em uma indústria tradicionalmente lenta.
Ferramentas de self-service analytics: a faca e o queijo na mão
A descentralização só funciona se os usuários de negócio tiverem as ferramentas certas para “cortar sua própria fatia do pão”. Para isso, existem as plataformas de self-service analytics, como Microsoft Power BI, Tableau e Google Looker. Esses softwares revolucionaram o acesso aos dados ao oferecer interfaces visuais e intuitivas.
A ascensão das plataformas low-code, como destaca um estudo do MIT Sloan, empodera colaboradores sem background técnico a criar seus próprios dashboards, relatórios e análises. Ao arrastar e soltar elementos, eles podem cruzar informações, visualizar tendências e responder a perguntas de negócio complexas em questão de minutos, não de semanas. Tudo preparado de forma amigável.
Com isso, não apenas as decisões ficam mais rápidas como também melhoram o moral e o engajamento das equipes – sentir-se empoderado e com autonomia. Uma pesquisa da Forrester corrobora essa percepção, indicando que 68% das empresas que implementaram robustas ferramentas de self-service relataram um aumento significativo na satisfação das áreas de negócio. Quando as pessoas se sentem capacitadas e confiáveis, a produtividade e a inovação crescem, como se tivessem o melhor fermento possível.
Sandboxes de dados: a cozinha de testes segura
Imagine um funcionário de uma área qualquer explorando alguns dados e, sem querer, acaba expondo-os, delete-os ou os corrompa. Esse é um dos maiores medos de TI e seu antídoto pode ser a sandbox de dados.
Entendendo melhor: sandbox é um ambiente de análise isolado, uma “cozinha de testes”, que contém uma cópia mascarada (anonimizada) ou um subconjunto dos dados de produção. Nesse ambiente, analistas, cientistas de dados e até mesmo usuários curiosos podem testar novas hipóteses, rodar algoritmos complexos, cruzar fontes de dados inusitadas e até mesmo cometer erros, tudo isso sem qualquer risco para o sistema produtivo, tudo livremente.
E há outra ventagem: elas são catalisadoras de inovação ao permiterm que a experimentação ocorra de forma rápida e barata, reduzindo o medo de falhar e encorajando a criatividade que leva a descobertas disruptivas. É o que aponta a Amazon Web Services (AWS) em uma documentação de 2023.
Governança como facilitadora, não como barreira
A governança precisa deixar de ser vista como um grande muro e passar a ser uma espécie de mapa. Mas não um mapa qualquer, ele precisa ser inteligente, e algumas ferramentas como catálogos de dados (a exemplo do Google Dataplex) são essenciais nessa mudança.
Um catálogo de dados funciona como um “Google” para os dados da uma companhia. Ele indexa todos os “produtos de dados” disponíveis, informa o que cada um significa (metadados de negócio), qual sua linhagem (de onde veio), seu nível de qualidade e quem é o seu “dono” no domínio de negócio. Com um catálogo acessível, um analista de marketing não precisa mais perguntar a cinco pessoas diferentes onde encontrar o dado de vendas por região. Ele simplesmente busca no catálogo, entende o dado e solicita o acesso diretamente ao dono do domínio, de forma rastreável e auditável.
Essa é a governança ágil, que não elimina as regras, mas as torna transparentes e, em especial, mais eficientes. E o impacto é profundo: um estudo da McKinsey concluiu que organizações que adotam modelos de governança ágil e facilitadora aumentam a taxa de adoção de projetos de Inteligência Artificial em até 30%. A governança deixa de ser um freio para se tornar um acelerador.
O conflito entre agilidade e segurança nos dados revela um modelo de gestão ultrapassado. Em um mundo cada vez mais rápido, é preciso adotar uma postura mais adaptativa. Com a arquitetura certa, ferramentas adequadas e uma mentalidade colaborativa, a gestão de dados pode deixar de ser um ponto de tensão e se tornar um processo que fortalece toda a organização.
Para começar essa transformação, aqui vai um checklist prático:
- Classifique seus dados: nem tudo exige o mesmo nível de controle. Alinhe com as áreas de negócio o que é sensível e o que pode ser explorado com mais liberdade.
- Use ferramentas com governança embutida: plataformas de autoatendimento como Power BI ou Looker dão autonomia aos usuários sem abrir mão da segurança e rastreabilidade.
- Crie um comitê de dados: reúna TI, segurança, compliance e áreas de negócio para revisar e evoluir as políticas de governança com foco estratégico.
Avançar rumo a uma cultura orientada a dados exige confiança mútua e responsabilidade. Quando bem distribuído, esse “pão” dos dados não só alimenta decisões — ele multiplica valor e inovação em toda a empresa.
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